sábado, 13 de novembro de 2010

Prosaico e confessional

Não posso mais errar
É incrível, mas neste ano de erros
Não posso mais errar,
Errante, eu conversava com um amigo
Sobre o céu
O céu que me enche de beleza e tristeza
Afinal aquela luz de branca a dourada
Entre nuvens de azul pálido a pálido violeta
Iluminava o letreiro do supermercado
Eu comprava limões e pensava em você
É o cúmulo da banalidade, errando
Entre as prateleiras e se usamos
A palavra beleza pra este céu em expansão
Isso deve ter algo em comum
Com seu sorriso que ia e vinha
Pálido na minha mente, enquanto eu errava
Distraído entre as prateleiras.
Não posso mais errar, moça
E ultimamente preciso estar derrubado de sono
Pra conseguir dormir
E quando acordo ainda estou meio sonhando
E sinto que posso exagerar tudo
A máquina que deu tilt tende a se repetir
Se repetir se repetir e não posso errar
E se você tivesse me procurado
Por outro motivo, é tanta gente que me procura
O meu vizinho é um velho, acho que tem Alzheimer,
Às vezes ele me encontra no elevador
E conversa como seu eu fosse alguém de sua família
Ele me diz que sempre tenta fazer as coisas certas mas erra
E erra e erra e eu digo: o mundo é assim
A gente faz uma coisa num cenário mas o cenário muda
O que importa é fazer a coisa certa, entendeu meu avô?
Não se deve mentir pra crianças
E pra velhos com Alzheimer? Minto e faço o jogo dele
Sou seu neto e dou conselhos
E saio do elevador e erro, volto a errar.
É estranho esse afeto que conseguimos por acaso
Por um erro, o velho se engana e me ama
Como se eu fosse um dos seus, e um dos mais queridos
Com quem ele se abre.
É com você mesmo que estou falando,
Você sabe, né?
Às vezes parece que você queria ser transparente
E densa, leve e triste como quem anda
Com o coração exposto e eu me pergunto
O que fazer com tanta delicadeza?
Não posso errar, não neste ano.
E se você tiver me procurado porque está perdida
Sem saber o que fazer
E por alguma razão maluca muita gente acha
Que eu tenho as respostas
Outro dia, um aluno me parou no corredor
E me disse que queria conversar
Porque se separou, outro dia
Um amigo telefonou pra mim
Porque ia se separar, outro dia minha amiga
Me chamou, porque tinha se separado
Ela queria que eu conversasse sobre a questão
- será que estamos condenados a ficar sozinhos?
Acho possível, pelo menos minha solidão agora
Pesa como uma condenação
Eu não posso te mostrar esse poema
Prosaico e confessional, então fico errando
Nas entrelinhas. Você não sabe
Que é com você, e nem vai ler
Provavelmente.
Agora, minha ex-mulher que finalmente virou minha amiga
Também pede que eu converse com ela
Ela está em crise, eu disse pra ela investir em alguma forma de arte
Fotografia, acho que todos deviam fazer arte,
E dou pra ela um livro, Sidharta do Herman Hesse
E fora de moda mas eu intuí que ia ser legal pra ela.
E ela me mandou um email dizendo
Que sou uma pessoa ótima e mereço ser feliz
Antes de nos separarmos ela me disse que meu sangue não presta
E que não seria possível a felicidade ao meu lado.
E se for verdade, moça?
Só consigo dormir quando estou extremamente cansado
E os dias têm sido lentos
Como um pesadelo.
Outra pessoa me procurou em crise
Ajudei com meus conselhos e poemas
Todo um ciclo de poemas sobre o girassol
Talvez na cabeça das pessoas alguém que transmite tanta calma
É o que Vavy me disse, não é questão do conteúdo do que digo
Mas eu acalmo as pessoas, por isso elas me procuram
E quem torna sereno deve ser sereno também,
Mas a dedução é errada, só consigo dormir
Quando estou profundamente cansado
E a beleza do céu me encanta e decepciona porque vira moldura
Pra letreiro de supermercado.
Não posso mais errar, neste ano não posso
Já chequei ao meu limite há uns meses atrás
Posso dizer que conheci o inferno
E ainda o carrego comigo como uma névoa cobrindo
O dia, cobrindo o seu sorriso
Fiquei olhando de perfil, você linda
E se o que você quer for mais um tipo de ajuda
Você precisa se acalmar, parece meio triste e sem saber
Aonde ir. E, convenhamos, no meio destes porcos
A coisa fica difícil.
E se o seu afeto for como o do velho
Que me elege seu neto no elevador porque precisa que o neto
Seja a primeira pessoa que ele encontre,
Se o seu afeto for dessas pessoas que esperam algo
Um amigo me disse: “você sempre tem as palavras certas”.
Isso é pros outros, pra meu uso pessoal
Erro entre as palavras e por exemplo não sei mais
Se na verdade sou eu que gostaria de ser transparente
Mas ando com o coração exposto e disse isso sobre você,
O que faz de mim um sujeito estranho
Meu coração anarquista, um sujeito esquisito,
Um cara estranho (você usou essas palavras
Três vezes na sua mensagem) e não posso errar
Não posso errar com você e não posso errar e ponto.
E se o que você quiser for um pouco de calma e orientação
E sem querer você moveu a alma de um cara solitário
Que mal distingue as coisas porque não dorme direito
O afeto do velho, os pedidos de conselhos de amigo
A constatação da minha ex, dessas coisas não me queixo
Seria mesquinho. Mas é que quando eu estava no mercado
No ato banal de comprar limões pensei em você
No seu sorriso e no porquê este ano não acaba logo.
Nada vai acontecer e parece que
De qualquer maneira
Continuo errando.

Um comentário:

  1. A paisagem urbana, a natureza dos encontros, o amor. As vezes tudo parece tão difícil. Em ambos os casos, a história move.

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