sábado, 4 de setembro de 2010
Num show da banda Rioclaro
Por Daniel faria
E pensar que ontem mesmo você gostaria de dormir por 5 meses, acordar em outro ano, qualquer ano, menos este. Ajustar o despertador para depois dos fogos de artifício e das promessas, as mesmas furadas de sempre. Mas, acordar num momento diferente, mesmo que por um mero ajuste no calendário, escrevendo bobagens como:
Cínicos, desossados
Trincados, traídos
Pelo destino
Rivotril e ritalina,
Todo efeito
Colateral é benefício.
Ela veio e sugou
O que restava de energia
Para o ano que passa
O presente mês, que assassina.
Enquanto hoje, o sol vai baixando, as nuvens de dourado a vermelho, a música sopra o espaço que se infla como um balão. Há reflexos na água, bronze de fim de tarde. Duas garotinhas dançam no campo de futebol, o gramado verde, os vestidos branco e vermelho contra a encosta matizada de verde a cinzanegro. Depois de embaralhar a consciência, as coisas se misturam, as cores, a música não vem do palco em que meu irmão toca, salta do lago depois de um mergulho, música viscosa que preenche o espaço como um aquário. Não sei bem quando, meu irmão vem e me pergunta se estou acordado. Desperto, ele quis dizer, talvez. Iluminado. Não neste momento, agora estou apenas sentindo os impactos do mundo como se eu fosse uma engrenagem a mais. A alegria entrando pelo ouvido, passando do coração aos olhos, às cores, ao som, ao espaço. Você é mesmo um otário, querer dormir por 5 meses. Uma mulher linda, Namara, nome sonoro (“aura amara branqueia os bosques carcome a cor da espessa folhagem” etc), um sorriso. E isso basta, um nome e um sorriso contra a música, o lago, a encosta e as cores mutantes de um céu imprevisível. Ela deve ter achado esquisito, você só querer saber o nome dela. Mas, sabe o que é Namara? Ontem eu estava numa onda assim:
O que resta
Do desejo e da ingenuidade
É um velho carro branco.
O que resta
Do desejo e da ingenuidade
É a esperança
De morrer cedo.
O que resta
Do desejo e da ingenuidade
É um aceno do silêncio.
O que resta
Do desejo e da ingenuidade
É se despedir do calendário.
Dormir por 5 meses
E acordar no reveillon –
Sempre.
O que resta
Do desejo e do calendário
É a ingenuidade de uma conversa
Imaginária, jamais iniciada.
“A barra é pesada
A solidão reconhece sua sombra
No espelho
Mereceríamos mais
Do que a morte?
Quem sabe, daqui
A 5 meses”
E aqui, neste momento, quero ficar desconectado do mundo, meio assim, à parte. É impressionante como, desligado, você sente outra solidariedade com a vida, com os desconhecidos, com a música, com tudo o que não foi feito pra você. Um esquisito num mundo esquisito e alegre. O egoísmo vai sumindo, não sem antes te assustar, como se sua sombra fosse mais densa que você e te ameaçasse, um soco na boca do estômago. Mas o egoísmo some, enquanto a música vai chegando ao fim, tudo vai escurecendo e, num último acorde, o céu se cristaliza, como um sorriso. Amanhã estarei disposto, pronto pra acordar, meu irmão.
Daniel é irmão do baixista Renato Faria
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