O fascínio pela natureza nativa move diversos fotógrafos e ilustradores da cidade.Com diversas técnicas, eles buscam recriar espécimes do cerrado em seus detalhes mais sutis.
"No princípio era o ermo/ Eram antigas solidões sem mágoa/ O altiplano, o infinito descampado/ No princípio era o agreste: O céu azul, a terra vermelho-pungente/ E o verde triste do cerrado." É assim que Vinicius de Moraes inicia a Sinfonia da Alvorada, dedicada ao então presidente Juscelino Kubitschek e à cidade que nascia no meio do cerrado. As palavras do poetinha exploram esse sentimento ambíguo de vastidão e encantamento para com a natureza bruta, sobre a qual a capital foi erguida. Para quem tem olhos atentos, essa pureza ainda está disponível e é fonte de inspiração. Nas páginas a seguir, apresentamos artistas empenhados em retratar a verdadeira beleza cerratense. Calendário poético"Eu amo o cerrado. Gosto muito de andar e conhecer as plantas. O silêncio é maravilhoso". Com voz mansa e lucidez invejável, é assim que Therese Von Behr, 85 anos, explica por que gosta tanto de pintar a fauna e a flora cerratenses. A lituana Therese chegou ao Brasil em 1956 depois de viver na Letônia, na Alemanha e no Canadá. Com 10 anos, deixou para trás a fazenda da família, fugindo da Segunda Guerra. Em Mato Grosso, virou Teresa e, hoje, atende pelos dois nomes. Em 1974, chegou à capital e se apaixonou perdidamente pelo Planalto Central e sua diversificada natureza. "Não me arrependi nem um pouco de ter vindo para cá. Gosto muito de Brasília, estamos no centro do país e temos muito do cerrado", completa.
"Sempre fui boa em desenho, mas comecei a pintar mesmo depois que cheguei a Brasília", conta. Ela acredita que o talento está em sua genética. "Acho que, quando nascemos, trazemos um bagagem de talentos. Minha mãe era pintora, uma grande artista, viajava o mundo fazendo portraits, e minha ligação com a pintura vem daí", explica Therese, mãe do poeta Nicholas Behr.
"Queria que as pessoas conhecessem a vegetação e a natureza que existem ao redor de onde moram", afirma. Assim surgiu a ideia de produzir calendários ilustrados. "Por meio deles, as pessoas poderiam acompanhar as estações. Em janeiro, pinto uma flor ou animal que aparece em janeiro e da forma como se apresentam em janeiro, que é diferente do resto do ano", completa, com um sorriso de quem contempla uma missão cumprida. Já tem aquarelas prontas para uma próxima edição e está em busca de uma editora parceira.
Em suas andanças, Therese foi além do Quadradinho. Retratou, por exemplo, os biomas de Rondônia, Piauí e Rio Grande do Norte. Mas seu hábitat natural é a chácara da família, perto de Luziânia (GO), destino certo pelo menos duas vezes ao mês. Foi lá em que ela recebeu a reportagem. Durante a visita, interrompeu a fala por instantes quando avistou uma flor no meio do mato. "Nossa, essa é linda demais." Não teve dúvidas: subiu o barranco e atravessou a vegetação seca com mais agilidade que muita mocinha. De lá, questionou o fotógrafo: "Você não vem aqui fazer minha foto com essa flor?".
Pinceladas pela preservação
O envolvimento da bióloga Mari Toshiro, 64 anos, com as artes remonta a suas origens. Descendente de japoneses, resolveu, já adulta, estudar o sumiê, modalidade de desenho oriental. Na técnica nipônica, as ilustrações são feitas com um tipo especial de carvão animal. Formada em biologia, sempre gostou de retratar a natureza e começou a sentir falta das cores no sumiê. "Eu gostava muito, mas somente a preta e a branca não me satisfaziam mais, eu precisava de cores e passei a estudar aquarela artística", conta.
Depois de três anos, conheceu a ilustração científica e se encantou. "Ela é mais real, não podemos fugir do que estamos vendo, não existe muita liberdade para criar e, como a aquarela era muito livre, eu gostei de ter algo mais fixo e real para retratar", explica. O fato de não poder inventar, no entanto, não tira o aspecto artístico da ilustração. "Apesar de ser mais certinha, como se fosse uma fotografia, sempre tem o dedo do artista. O ilustrador enxerga a figura como um todo e coloca sua alma naquele desenho", afirma.
"Retratamos animais e plantas do cerrado, esse bioma riquíssimo que não é muito bem explorado ou divulgado", lamenta Mari, integrante da Associação de Ilustradores Científicos do Centro-Oeste Brasileiro (ICCOB). Com a voz empolgada, porém, acrescenta que o cerrado tem muito de outros biomas e é encontrado, mesmo que timidamente, em quase todo o Brasil. "Tem muita diversidade e quase posso dizer que o cerrado é como a mãe de todas as plantas brasileiras."
Mari, e todos os integrantes da ICCOB, têm uma preocupação em retratar o cerrado antes que mais do bioma se perca. "Somos a única associação de ilustradores científicos do Brasil e precisamos registrar o máximo possível, pois trata-se de um bioma que não é bem conhecido nem por quem vive aqui", protesta. Por isso, ela considera suas aquarelas mais do que arte: são uma forma de protesto e alerta.
"Sempre fui boa em desenho, mas comecei a pintar mesmo depois que cheguei a Brasília", conta. Ela acredita que o talento está em sua genética. "Acho que, quando nascemos, trazemos um bagagem de talentos. Minha mãe era pintora, uma grande artista, viajava o mundo fazendo portraits, e minha ligação com a pintura vem daí", explica Therese, mãe do poeta Nicholas Behr.
"Queria que as pessoas conhecessem a vegetação e a natureza que existem ao redor de onde moram", afirma. Assim surgiu a ideia de produzir calendários ilustrados. "Por meio deles, as pessoas poderiam acompanhar as estações. Em janeiro, pinto uma flor ou animal que aparece em janeiro e da forma como se apresentam em janeiro, que é diferente do resto do ano", completa, com um sorriso de quem contempla uma missão cumprida. Já tem aquarelas prontas para uma próxima edição e está em busca de uma editora parceira.
Em suas andanças, Therese foi além do Quadradinho. Retratou, por exemplo, os biomas de Rondônia, Piauí e Rio Grande do Norte. Mas seu hábitat natural é a chácara da família, perto de Luziânia (GO), destino certo pelo menos duas vezes ao mês. Foi lá em que ela recebeu a reportagem. Durante a visita, interrompeu a fala por instantes quando avistou uma flor no meio do mato. "Nossa, essa é linda demais." Não teve dúvidas: subiu o barranco e atravessou a vegetação seca com mais agilidade que muita mocinha. De lá, questionou o fotógrafo: "Você não vem aqui fazer minha foto com essa flor?".
Pinceladas pela preservação
O envolvimento da bióloga Mari Toshiro, 64 anos, com as artes remonta a suas origens. Descendente de japoneses, resolveu, já adulta, estudar o sumiê, modalidade de desenho oriental. Na técnica nipônica, as ilustrações são feitas com um tipo especial de carvão animal. Formada em biologia, sempre gostou de retratar a natureza e começou a sentir falta das cores no sumiê. "Eu gostava muito, mas somente a preta e a branca não me satisfaziam mais, eu precisava de cores e passei a estudar aquarela artística", conta.
Depois de três anos, conheceu a ilustração científica e se encantou. "Ela é mais real, não podemos fugir do que estamos vendo, não existe muita liberdade para criar e, como a aquarela era muito livre, eu gostei de ter algo mais fixo e real para retratar", explica. O fato de não poder inventar, no entanto, não tira o aspecto artístico da ilustração. "Apesar de ser mais certinha, como se fosse uma fotografia, sempre tem o dedo do artista. O ilustrador enxerga a figura como um todo e coloca sua alma naquele desenho", afirma.
"Retratamos animais e plantas do cerrado, esse bioma riquíssimo que não é muito bem explorado ou divulgado", lamenta Mari, integrante da Associação de Ilustradores Científicos do Centro-Oeste Brasileiro (ICCOB). Com a voz empolgada, porém, acrescenta que o cerrado tem muito de outros biomas e é encontrado, mesmo que timidamente, em quase todo o Brasil. "Tem muita diversidade e quase posso dizer que o cerrado é como a mãe de todas as plantas brasileiras."
Mari, e todos os integrantes da ICCOB, têm uma preocupação em retratar o cerrado antes que mais do bioma se perca. "Somos a única associação de ilustradores científicos do Brasil e precisamos registrar o máximo possível, pois trata-se de um bioma que não é bem conhecido nem por quem vive aqui", protesta. Por isso, ela considera suas aquarelas mais do que arte: são uma forma de protesto e alerta.
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