domingo, 8 de agosto de 2010

Conceição e as árvores nuas



Novamente agosto, de novo a névoa seca, a falta de chuvas e a baixa umidade relativa do ar. Há 73 dias não cai pingo d’água em Brasília e não há nenhuma previsão de relâmpagos ou trovoadas no céu da cidade. O que era verde ficou cinza, mas isso não significa que tenha perdido a beleza.


Não é mais uma paisagem de natureza viva, lembra natureza morta, mas de desvanecida não tem nada.
As árvores desfolhadas perdem o encanto bucólico de flora vicejante. Transformam-se por dois ou três meses em esculturas agrestes no projeto de Lucio Costa.
São a “carnadura concreta”, pegando emprestado o dizer de João Cabral de Melo Neto em A educação pela pedra.
As árvores nuas são obras barrocas de madeira crespa e emaranhada na cidade de linhas puras.


A desfolhação das espécies nativas ou adaptadas ao cerrado é uma estratégia de sobrevivência. Se os ursos hibernam em invernos glaciais, as árvores se recolhem nas secas do Planalto Central para economizar energia. O chefe do viveiro da Novacap, o engenheiro agrônomo Raimundo Moreira Lima Filho, explica que o desfolhamento “é a defesa da planta contra a falta de umidade”. Se ela mantivesse as folhas grudadas em si mesma, verdejantes, exercendo a sua função de fotossíntese, perderia muita água em tempo de escassez . Então deixa que elas sequem e caiam para que prossiga viva até a nova folhação. Sabe-se que as árvores do cerrado têm raízes profundas para que possam retirar dos veios d’água no fundo da terra o que lhes falta no ambiente externo.
Boa parte da imensa floresta de mais de 4 milhões de árvores presentes na urbanização pública de Brasília está hibernando. Parece morta, mas só está escondida, esperando as primeiras águas que, pelo histórico do Instituto Nacional de Meteorologia, só devem cair em meados de setembro — é a chuva do caju, a que apressa o amadurecimento do fruto. Até lá, teremos mais um mês, pelo menos, de esculturas frondosas de madeira verde por dentro e cinza por fora, solitárias, em conjunto ou em bosque, nos parques, nos eixos, nas vias, nas superquadras, nas cidades-satélites.
Tendo como guia o chefe do viveiro da Novacap, o Correio percorreu o Plano Piloto para encontrar barrigudas desfolhadas estourando painas no chão, imbiruçus sem folhas, mas com frutos e flores, um estupendo pequizeiro (no Setor Policial Sul) com meia dúzia de pequis temporãos. Nunca vi em Brasília nenhum de igual tamanho. Deve estar aqui desde antes de Pedro Álvares Cabral”, brincou o espantado Raimundo Moreira Filho. E milhares de pés de cambuí, árvore de copa generosa, formando bosques de bordados feitos de fios de madeira contra o céu de azul perfeito. O ensaio fotográfico é de Daniel Ferreira.
Por Conceição Freitas
Publicação: 08/08/2010

fotos: Daniel Ferreira

Nenhum comentário:

Postar um comentário